De tantos escritos anônimos em portas que se fecham preservando intimidades, me sinto como uma escritura em um banheiro enorme, com inúmeras portas, variados grafitos, intenções, cheiros e sentimentos, que circunscreve uma realidade singular: São Paulo.
Minha porta não é nada modesta, chama-se Augusta. Heterogênea, aparecem nela desde assinaturas de adolescentes “Emos”, grafites, pichações, executivos da Paulista, gente Cult, gente “que curte”, e eu, obviamente. Tento interagir com tudo isso e penso como fica meu nome neste caleidoscópio.
Minha inscrição tem origem interiorana, caligrafia certinha, redonda e pontuação exata. Caio eu num enredo e fico, pois, enredada em uma narrativa sem começo, fim ou meio. Não há coesão, nem coerência, sem vírgula ou ponto final. Idéias misturadas, nomes, pessoas, lugares, referências... Indiferenças.
Fiz melhores amigos de um dia, que sumiram da porta no dia seguinte. Já sabia desta tendência de apagarem os escritos da porta. É preciso higienizar, dizem os freqüentadores. Mas logo depois reaparecem milhares de escrituras, tudo de novo, interagindo até a próxima higienização. Não sei quantas das minhas intenções foram higienizadas. Por isso, tento registrar tudo. Fotografo os banheiros e portas por onde ando. Registro em mim as intenções alheias. Para que não se percam e eu não me perca com elas, pois o banheiro é grande, a circulação intensa, a higienização constante, a intimidade partilhada e o anonimato preservado. Preservado até demais.
Pode-se ser da forma que quiser, pois ninguém se importa. Mas qual a vantagem de ser o que se quer se ninguém se importar? O que aprendi? A porta se importa! “Corpos sem cara” se encaram, a contradição é perfeitamente possível neste ambiente. A falta de contradição é límpida e interrompe o fluxo de interações. A “sujeira” revela o que é intimo e dá vida a este banheiro cinza, sem clareza, sem certeza da limpeza. Não me sento nos assentos. Observo bem se há papel para limpar meus rastros. Mas não há papel, sabonete, sabão, higienizadores ou desodorizadores. Será que alguém vai sentir meu cheiro? Será que me olharão nos olhos? Saberão que estive lá? Ou terei que escrever como milhares o fizeram: “ESTIVE AQUI, ASSINADO: EU”.